segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Jeitinho brasileiro é Uma Forma de Corrupção?

O Jeitinho brasileiro é Uma Forma de Corrupção?

ROBERTO DAMATTA

No Brasil não faltam jeitos, para o bem e para o mal. O mesmo talento que serve para

encurtar caminhos no dia-a-dia, quando aplicado na política pode facilitar ganhos

particulares com recursos públicos. Em debate salutar para a democracia, alguns

convidados esboçam os tênues limites entre o jeitinho brasileiro e a corrupção.

Na França, um monte de gente foi para a guilhotina. Aqui, inventou-se o jeitinho.

SE A TRANSGRESSÃO DA REGRA não causa prejuízos, temos o jeitinho ético. Ele poderia ocorrer na maioria dos países, exceto, talvez, na Suíça, onde um trem sai as 14h57! E sai mesmo: eu fiz o teste. Mas, sociologicamente, o jeitinho mostra uma relação ruim com a lei geral. Se tenho um parente na Receita Federal e ele faz vista grossa aos meus impostos, o jeitinho vira corrupção.

A democracia liberal acabou com o regime de privilégio. Alguns comportamentos só eram crimes se cometidos por plebeus. Veja Os Miseráveis, de Victor Hugo, ou O Conde de Monte Cristo, de Dumas. Há ali bons exemplos desse mundo hierarquizado. A Revolução Francesa liquidou a lei privativa e instituiu um código universal de direitos, proclamados auto-evidentes na Constituição americana. Antes, os nobres não pagavam impostos. Depois, até o presidente paga.

A República Brasileira fez a revolução igualitária no papel, em cima de um regime social aristocrático como duas pernas de uma ficção jurídica. E o faz-de-conta de que todos obedecem a lei, quando sabemos que os velhos aristocratas são mais donos do poder que o povo. Com isso, podemos continuar contemplando o privilégio de não cumprir integralmente a lei, mesmo debaixo de um regime igualitário. Já na França pré-revolucionária ou no Brasil imperial, a desigualdade era o valor organizatório. Então, o jeitinho era dar ao pobre a oportunidade de ser igual ou libertar o escravo.

O jeitinho se confunde com corrupção porque desiguala o que deveria ser tratado com igualdade. O que nos enlouquece é a persistência em lidar com a lei de forma que induz os chefes a passarem por cima dela porque a "empossam". Já certas pessoas (negros, pobres e mulheres) são colocadas implacavelmente debaixo dela. O que faz com que a lei seja desmoralizada, e quem a cumpre, estigmatizado como otário ou subcidadão.

LEONARDO AVRITZER


A mídia prefere novos casos a seguir até o final os já existentes.

O JEITINHO BRASILEIRO expressa duas características. A positiva é a capacidade de adaptação em diferentes situações. Isso dá ao país uma flexibilidade política e uma capacidade de inovação invejáveis. O lado negativo é uma ambigüidade em relação as regras. Isso afeta o sistema político e as instituições, que por vezes operam com um certo desprezo pelas regras formais do jogo político.

Esta flexibilidade também esta ligada ao "familismo amoral", um padrão moral que privilegia as relações familiares e permite um desrespeito as regras daquilo que é público. Essa é a dimensão do comportamento brasileiro que mais propicia a corrupção.

Percorremos um importante caminho até considerar essas práticas negativas para o sistema político, mas ainda não conseguimos superá-las.

Corrupção depende da percepção, já que quem é corrupto não o admite publicamente.

Não existe método para classificá-la internacionalmente. Ela varia de acordo com a liberdade de imprensa e das instituições democráticas de cada país. Os índices, principalmente o da Transparência Internacional, não consideram essas dimensões.

Então, vemos países com ótimas performances comparativas, mas sem mecanismos democráticos, como a Malásia. Hoje o Brasil esta distante de aceitar uma postura de "roubo, mas faço". Mas esse sistema político se deslegitima quando a opinião pública percebe que ele não consegue tratar da corrupção no seu interior.

O grande problema não é perceber a corrupção, mas puní-la. O combate está muito concentrado no Executivo, especialmente na Polícia Federal. Já a mídia não tem um papel muito claro. Ela prefere novos casos a seguir até o final os já existentes. Poderia ser mais transparente, acompanhar exaustivamente toda a tramitação e exercer uma pressão maior sobre o Judiciário para que as punições ocorram.

LOURENÇO STELIO


O Jeito precisa de Redenção.


ABORDO O JEITINHO BRASILEIRO através da ética cristã. Explico seu ciclo vicioso em quatro estágios. Primeiro, um descaso público frente ao cidadão. Ele paga os impostos, mas também o pedágio ou para receber saúde. O segundo é a sonegação. Não mobilizada, a pessoa sonega. Entra a fiscalização e, dependendo do fiscal, chega-se a terceira etapa, a corrupção. Ela é alimentada pelo quarto estágio, a impunidade. O eixo que gira este ciclo é o jeitinho.

Na primeira carta escrita no Brasil, Pero Vaz de Caminha já pede emprego para um parente. Perseguidos pela Igreja, os escravos que estavam no Brasil mudaram a nomenclatura de suas divindades. Ogum vira São Jorge. Trato o jeitinho como a busca de saídas diante de uma situação que não se quer enfrentar. Ele é internacional. Nos Estados Unidos, as fraudes econômicas estão ligadas a corrupção, mas lá há punição. Precisamos de novas políticas de combate, aperfeiçoar os órgãos de controle. Fiscalizar os fiscais. A credibilidade só vira de dentro do sistema. Acredito nas novas gerações de promotores e juízes. Precisamos investir no desenvolvimento de um espírito nacional, que perdemos.

Temos que investir desde o berço em cidadania e respeito à população e a legislação.

Algumas igrejas agem de forma ilícita, mas a ética cristã é centralizada no amor e na convivência humana. Porém, nós, teólogos, vemos a natureza humana com uma parcela de natureza perversa. Não acreditamos na idéia de Rousseau de um homem completamente bom. É preciso transformar o sujeito pela sua espiritualidade e por sua educação. Seria o que se chama de conversão. O jeitinho precisa de redenção.

Acreditamos na transformação de indivíduo de dentro pra fora.

Observação:

ROBERTO DAMATTA Antropólogo, escritor e professor da PUC-Rio.

LEONARDO AVRITZER, Professor da UFMG e um dos organizadores do livro Corrupção - Ensaios e Críticas

LOURENÇO STELIO, Escritor, teólogo e autor do livro Dando um Jeito no Jeitinho

Fonte: Revista da História- Biblioteca Nacional, ano 4, nº 42, março 2009, pag. 34 e 35.


GLOSSÁRIO

Guilhotina= é um instrumento utilizado para aplicar a pena de morte por decapitação. constituído de uma grande armação reta (aproximadamente 4 m de altura) a qual é suspensa uma lâmina triangular pesada (de cerca de 40 kg). A lâmina é guiada à parte superior da armação por uma corda, e fica mantida no alto até que a cabeça do condenado seja colocada sobre uma barra que a impede de se mover. Em seguida, a corda é liberada e a lâmina cai de uma distância de 2,3 metros, seccionando o pescoço da vítima. (As medidas e peso indicados são os das normas francesas). Joseph-Ignace Guillotin (1738-1814), não foi o seu inventor mas estimava que a instantaneidade da punição era a condição necessária e absoluta de uma morte decente;

Corrupção= A corrupção política é o uso das competências legisladas por funcionários do governo para fins privados ilegítimos. Desvio de poder do governo para outros fins;

Plebeus= Homens da plebe, homem do povo. Os plebeus pertenciam à classe popular da sociedade na antiga República Romana. Entre eles estavam os escravos libertos, os agricultores e os vassalos dos patrícios. Não se sabe como se originou a diferença entre plebeus e patrícios, embora já existisse no início do séc. VI a.C.;

Revolução Francesa= Movimento social e político ocorrido na França no final do século XVIII que teve por objetivo principal derrubar o Antigo Regime e instaurar um Estado democrático que representasse e assegurasse os direitos de todos os cidadãos. . Inspirada pelas idéias iluministas, a sublevação de lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” ecoou em todo mundo, pondo abaixo regimes absolutistas e ascendendo os valores burgueses. Foi à revolução burguesa, tendo vista a sua condição de destruidora da velha ordem em nome das idéias e valores burgueses e por conta da ideologia burguesa predominante durante praticamente todo processo revolucionário;

Estigmatizado= Desvirtuar, censurar, condenar: estigmatizar o vício. desvirtuar, condenar;

Transgressão= Significa a ação humana de atravessar, exceder, ultrapassar, noções que pressupõem a existência de uma norma que estabelece e demarca limites;

Nomenclatura= Sistema de designação de coisas ou seres e suas divisões;

Credibilidade= Dar certeza, crédito;

Pero Vaz de Caminha= foi um escritor português que se notabilizou nas funções de escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral. Dedicava-se ao comércio antes de ser designado escrivão da feitoria de Calicute, na Índia, para onde segue com a bem equipada frota do comandante Pedro Álvares Cabral, responsável pelo descobrimento do Brasil em 22 de abril de 1500;

Ética= Ciência que estuda os juízos morais referentes a conduta humana.Virtude caracterizada pela orientação dos atos pessoais segundo os valores do bem e da decência pública;

Redenção= Ato de redimir. Compensar um erro cometido mediante ato redentório;

Executivo= é o poder do Estado que, nos moldes da constituição de um país, possui a atribuição de governar o povo e administrar os interesses públicos, cumprindo fielmente as ordenações legais. No presidencialismo, o líder do poder executivo, denominado Presidente, é escolhido pelo povo, para mandatos regulares, acumulando a função de chefe de estado e chefe de governo;

Sonegação= Deixar de pagar impostos;

Rousseau= Jean-Jacques Rousseau foi um importante filósofo, teórico político e escritor suíço. É considerado um dos principais filósofos do iluminismo, sendo que suas idéias influenciaram a Revolução Francesa (1789);

REFLETINDO SOBRE O TEXTO


1- Explique a frase “O jeitinho se confunde com corrupção”:

2- Escolha um dos livros citados no texto e faça uma síntese sobre ele:

3- Quando o Jeitinho vira Corrupção?

4- Explique a frase “A República Brasileira fez a revolução igualitária no papel”:

5- Explique a frase “. Na França, um monte de gente foi para a guilhotina. Aqui, inventou-se o jeitinho e o "Você sabe com quem esta falando?":

6- Defina o Jeitinho Ético:

7- O Jeitinho Brasileiro possui duas características. Cite e explique quais são:

8- Com suas palavras explique "familismo amoral":

9- Explique os quatro estágios do Jeitinho Brasileiro, segundo o autor Lourenço Stelio:

10- Dê dois exemplos sobre “o jeitinho como a busca de saídas diante de uma situação que não se quer enfrentar”:

11- Segundo o autor Leonardo Avritzer, corrupção depende da percepção. Você concorda com essa idéia? Justifique sua resposta:

12- De acordo com o texto, explique: Transparência Internacional:

13- Qual o papel da mídia com relação a corrupção?

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